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17.03.2025 | Newsletter

Contratos built to suit e a utilização de dupla garantia no negócio

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Previsto no artigo 54-A da Lei nº 8.245/91 (“Lei de Locações”), o contrato Built to Suit (“BTS”) é amplamente utilizado pelo mercado imobiliário, movimentando diversos interesses econômicos. Por essa modalidade contratual, é comum que o locador, especialmente após a análise de crédito do locatário, exija a apresentação de mais de uma garantia no bojo do contrato. A prática busca conferir maior segurança jurídica e financeira à operação, especialmente em relação ao investimento a ser realizado na transação.

Do ponto de vista negocial, referida exigência é amplamente adotada e, embora possa gerar intensas discussões comerciais, não surpreende os players envolvidos. No entanto, sob a ótica jurídica, é fundamental considerar a existência de um rol taxativo de garantias locatícias e a vedação à dupla garantia nos contratos de locação, ambos previstos no Artigo 37 da Lei de Locações. Embora a questão não seja nova, eventuais questionamentos sobre tais limitações surgem quando se pretende registrar contratos BTS nos cartórios de registro de imóveis do país. Diante disso, é essencial analisar o tema e recomendar boas práticas para a estruturação desse tipo de contrato.

As garantias nos contratos BTS devem abranger, em especial, a multa aplicável em casos de rescisão antecipada por iniciativa do locatário. Em geral, esta multa corresponde ao valor resultante da multiplicação do número de meses restantes até o fim do contrato pelo aluguel vigente à época. Seu montante costuma ser elevado, pois tem como finalidade ressarcir o locador por todos os custos decorrentes do investimento realizado no desenvolvimento do empreendimento a pedido do locatário. Diferentemente dos contratos de locação típicos, cuja multa rescisória costuma ser de até três aluguéis vigentes no momento da rescisão e calculada de modo proporcional à quantidade total de meses remanescentes para o término da vigência contratual, a penalidade nos contratos BTS é substancialmente superior, refletindo a necessidade, em certos casos, da apresentação de mais de uma garantia para fazer frente ao valor elevado de tal penalidade.

Nesse contexto, importante destacar que o citado Artigo 37 da Lei de Locações foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro em momento anterior ao da inclusão do Artigo 54-A em referido texto legal, e tem por principal objetivo a proteção de locatários considerados hipossuficientes perante locadores de imóveis, diferente do que ocorre na esfera dos contratos BTS. Sob este aspecto, a doutrina atual classifica o contrato BTS como paritário e atípico, afastando relações de subordinação econômica e/ou de hipossuficiência de locatários com relação aos locadores, e vice e versa, uma vez que dito arranjo negocial extrapola os limites de uma mera locação comum. Mais além, o Artigo 54-A da Lei de Locações determina a prevalência das condições pactuadas livremente entre as partes, o que possibilita, portanto, a negociação de mais de uma modalidade de garantia em contratos BTS, bem como a possibilidade de contratação de modelos distintos de garantias que não aqueles expressamente relacionados no Artigo 37 (tal como a alienação fiduciária de imóveis ou cessão fiduciária de recebíveis).

O mencionado princípio da autonomia da vontade inclusive é invocado pelos poucos julgados identificados que enfrentaram a temática aqui destacada, advindos especialmente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Em suma, a jurisprudência identificada é favorável à aplicação da dupla garantia em BTS, fundamentando esta posição justamente no tratamento diferenciado conferido aos contratos atípicos de locação, nos termos do aludido Artigo 54-A, em detrimento do regramento geral previsto nos demais artigos da Lei de Locações.

Conclusão: A análise da possibilidade de aplicação da dupla garantia nos contratos BTS revela uma importante adaptação do ordenamento jurídico à realidade do mercado imobiliário atual. Embora o Artigo 37 da Lei de Locações restrinja o uso de múltiplas garantias em contratos típicos, a interpretação doutrinária e jurisprudencial tem reconhecido a viabilidade dessa prática em tal modelagem contratual, enfatizando a autonomia privada das partes contratantes inclusive para permitir a utilização de garantias não elencadas no aludido artigo.

Para posições mais conservadoras, especialmente quando da intenção de registrar um contrato BTS perante as serventias imobiliárias do país, tendo em vista a intenção de mitigar eventuais notas devolutivas dos cartórios contrárias ao que aqui se defende, uma boa prática recomendada é a da adoção de garantias contratuais cujas vigências não se colidem ao longo do período de vigência do BTS, viabilizando, portanto, um arranjo de garantias que acompanham as fases da locação atípica – fase de obras e fase de operação do imóvel pronto. Nesse sentido, podem ser combinadas, por exemplo, a outorga de fiança pessoal dos sócios do locatário que abrangerá apenas o período de obras, substituída posteriormente por outro tipo de garantia, como o seguro fiança ou carta de fiança bancária, a serem apresentados após a fase da entrega da obra – quando o imóvel já estiver em operação ou em vias de operar.

Texto produzido por Priscila Sammi e Ana Damiano Martins, integrantes da equipe do imobiliário do NFA Advogados.

Para mais informações sobre este assunto, por favor, entre em contato através da chave: imobiliario@negraoferrari.com.br.

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