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09.10.2025 | Newsletter

STJ decide pela prevalência do CDC sobre as disposições da Lei dos Distratos

Em 19/09/2025, foi publicada decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que tratou da prevalência do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”) sobre a Lei nº 13.786/2018 (“Lei dos Distratos”) em casos de rescisão de contratos de compra e venda celebrados entre particulares.

Embora o precedente não tenha efeito vinculante, ou seja, não foi julgado sob o rito dos repetitivos nem possui eficácia erga omnes, ele merece atenção por sinalizar um possível afastamento de regramentos previstos nas Leis de Incorporação Imobiliária (Lei nº 4.591/1964) e de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/1979), o que impacta diretamente a validade de cláusulas contratuais firmadas com adquirentes.

1. Regulamentação dos contratos de venda e compra

 Os contratos de venda e compra são regidos por diferentes normas legais, a depender da natureza do empreendimento e da relação entre as partes, em especial, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor e, conforme o caso, a Lei de Incorporação Imobiliária (Lei nº 4.591/1964) ou a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/1979).

Na hipótese de resolução contratual por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano, aplica-se, ainda, a Lei dos Distratos, que introduziu algumas alterações nas Leis nºs 4.591/1964 e 6.766/1979, disciplinando a forma de devolução dos valores pagos e os limites de retenção aplicáveis às incorporadoras e loteadoras.

2. A recente decisão do STJ 

A. O CDC prevalece sobre a Lei dos Distratos

O cerne da discussão a respeito da aplicabilidade da Lei dos Distratos ou do CDC consiste no fato de que há previsões instituídas pela Lei dos Distratos que divergem daquelas previstas no CDC, e, inclusive, são por ele consideradas nulas e/ou abusivas.

Dentre as alterações introduzidas pela Lei do Distrato têm-se o regramento para a restituição dos valores pagos e a definição de quais seriam as deduções aplicáveis, na hipótese de resolução contratual por inadimplemento do adquirente, entre elas: (i) comissão de corretagem; (ii) pena convencional, limitada a 25% da quantia paga (em incorporações) ou 10% do valor atualizado do contrato (em loteamentos); (iii) taxa de fruição do imóvel (0,5% ou 0,75% sobre o valor atualizado, conforme o caso); (iv) encargos moratórios; (v) cotas condominiais e contribuições associativas; e (vi) demais despesas e encargos previstos contratualmente.

No entanto, o CDC estabelece que nos contratos de compra e venda de imóveis consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas nessa hipótese de rescisão (art. 53 do CDC), além da vedação de cláusulas abusivas (art. 51, II, do CDC) e do enriquecimento sem causa.

Assim, em que pese a Lei dos Distratos tratar-se de lei especial, o STJ entendeu que o CDC é “mais especial”, por aplicar-se somente quando configurada a relação de consumo.

Sob esta ótica, apesar de controverso, e de contrariar, inclusive, casos análogos em que as disposições do CDC foram afastadas, como nos contratos bancários e na aplicação da Lei de Alienação Fiduciária, o STJ decidiu, desta vez, pela prevalência do CDC para reger a restituição dos valores, em detrimento do que dispõe a Lei dos Distratos.

B. Limitação da retenção pela incorporadora/loteadora: até 25% dos valores pagos

Ainda que a Lei dos Distratos, e, eventualmente, o contrato preveja descontos diversos referentes aos encargos moratórios, comissão de corretagem, tributos e outras taxas sobre o imóvel, conforme exposto acima, o STJ concluiu que a soma dessas deduções poderia acarretar um desconto muito superior e talvez até atingir o valor integral pago pelo adquirente.

Assim, como resultado da interpretação dos arts. 51, II e 53 do CDC e do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, o STJ extraiu a conclusão de que a soma de todas as retenções não pode ultrapassar o percentual de 25% dos valores pagos pelo consumidor, e que referida retenção seria adequada para indenizar o construtor das despesas gerais e desestimular o rompimento unilateral do contrato.

C. Da taxa de fruição: desconto não englobado no limite de 25% dos valores pagos

A título de exceção à limitação da retenção dos valores pagos em até 25%, a Terceira Turma do STJ defendeu que a taxa de fruição não guarda relação direta com a rescisão contratual, mas com os benefícios que auferiu o ocupante pela fruição do bem, de modo que, ressalvado quando houver cláusula penal moratória estabelecida em valor equivalente ao locativo, a taxa de ocupação deverá ser cobrada separadamente, não estando englobada, portanto, na limitação dos 25% dos valores pagos.

No entanto, a Corte Superior condicionou a cobrança da referida taxa à comprovação da utilização do imóvel edificado, tendo determinado que, sob a luz do enriquecimento sem causa, que é indevida a taxa de ocupação ou fruição na hipótese de resolução de contrato de compra e venda de lote não edificado.

D. Da forma de restituição dos valores pagos

Por fim, e mantendo a prevalência do CDC, o STJ reafirmou a tese fixada por meio do Tema 577/STJ e da Súmula 543 da mesma Corte, no sentido de que “é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada”, afastando, portanto, a forma parcelada da devolução prevista no art. 32-A, § 1º, da Lei nº 6.766/1979.  

3. Impactos nos contratos a serem firmados com os adquirentes

Ainda que o precedente não tenha caráter vinculante, é fundamental que as normas legais sejam sempre avaliadas e interpretadas sob a luz dos entendimentos jurisprudenciais, sobretudo no que diz respeito a temas de expressiva repercussão.

Nesse sentido, à luz desse precedente, e a fim de mitigar riscos de questionamento judicial com base na ótica consumerista, recomenda-se que as incorporadoras e loteadoras reavaliem as minutais contratuais padrão de venda e compra de imóveis, especialmente as cláusulas relativas à retenção de valores, forma de restituição e taxa de fruição.

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