1. Entenda a decisão que mexe com o mercado imobiliário
Na última quinta-feira (28), o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou que a Câmara Municipal da Cidade de São Paulo/SP dê início imediato a uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) voltada à investigação de fraudes na construção e comercialização de Habitações de Interesse Social (HIS). Mesmo com resistências internas, os trabalhos devem começar em breve, colocando o tema no centro da pauta legislativa paulista e dos noticiários locais.
2. Impactos diretos para construtoras e incorporadoras
Empresas envolvidas em projetos de HIS podem ser chamadas a apresentar documentos, contratos e detalhes sobre as suas práticas de comercialização. Além disso, informações colhidas pela CPI podem servir como base para outras instâncias de fiscalização. De acordo com o Decreto Municipal nº 63.130/2024, o descumprimento das regras pode gerar sérias consequências, desde a devolução de valores relacionados ao potencial construtivo até multas específicas, além de outras penalidades administrativas.
3. Onde colocar atenção agora
Certifique-se de que tudo esteja alinhado às normas vigentes. É essencial revisar contratos, materiais publicitários e procedimentos internos, garantindo conformidade com as exigências legais, especialmente quanto à comprovação de renda, proteção de dados e correta destinação das unidades.
Nesse contexto, vale lembrar que, recentemente, por meio do Decreto Municipal nº 64.244/2025, o Município de São Paulo/SP implementou diretrizes específicas para determinadas questões que não estavam, até então, expressamente disciplinadas no referido Decreto 63.130/2024, a saber:
- Conceito de “Renda Familiar”. Para fins de interpretação, o Decreto 64.244/2025 reproduz o conceito de renda familiar previsto na Lei Federal 13.982/2020, que passa a integrar o Decreto 63.130/2024 nos seguintes termos: “a renda para fins de destinação das unidades habitacionais é a familiar, inclusive em relação aos adquirentes que, na ocasião da celebração do contrato, não disponham de renda própria para o seu sustento, sendo considerada família o conjunto de um ou mais indivíduos que contribuam para o rendimento ou tenham suas despesas atendidas pela unidade familiar e que sejam moradores de um mesmo domicílio (…)”.
- Certidão de enquadramento de renda. O Decreto 63.130/2024 condicionou a destinação das unidades HIS 1, HIS 2 e HMP à emissão de certidão atestando o enquadramento das famílias na respectiva faixa de renda estabelecida sem, contudo, mencionar uma linha de conduta para instrumentalização e obtenção dessa certidão. Agora, de acordo com o Decreto 64.244/2025, a emissão da certidão de enquadramento: (i) deve seguir um modelo previsto em portaria da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB); e (ii) é de responsabilidade do promotor do empreendimento ou do locador, que podem contratar terceiros para fazer essa verificação, independentemente da sua responsabilidade, uma vez que a falsidade da certidão de enquadramento de renda familiar acarretará a imposição das sanções cabíveis em face do promotor do empreendimento e do adquirente, nos termos do § 2º do artigo 47 da Lei nº 16.050/2014 (Plano Diretor). Vale mencionar, ainda, que com relação às certidões de enquadramento de renda emitidas pelas instituições bancárias financiadoras, a responsabilidade exclusiva sobre a veracidade e a exatidão das informações está expressamente atribuída ao destinatário do imóvel, apresentante, adquirente ou locatário, conforme o caso, nos termos do Decreto 64.244/2025.
- Proteção de dados pessoais. Com o advento do Decreto 64.244/2025, o tratamento dos dados dos beneficiários deve seguir as exigências da Lei n.º 13.709/2018 (LGPD). Isso inclui obter consentimento específico para armazenar as informações, o que deve constar de forma clara nos contratos firmados com compradores e locatários.
- Limites de valor para aluguel e venda. O Decreto 64.244/2025 estabeleceu, para locação, que o valor mensal deve respeitar o limite de 30% da renda máxima prevista para cada faixa, bem como definiu os tetos para os valores de venda das unidades: até R$ 266 mil para HIS 1, R$ 369.600 para HIS 2 e R$ 518 mil para HMP, com reajuste anual pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC/FGV).
- Condicionante para emissão do Habite-se. Como forma de garantir que o empreendimento cumpra sua função social, o Decreto 64.244/2025 condicionou a emissão do certificado de conclusão das obras do empreendimento (Habite-se) à averbação das unidades HIS e/ou HMP na matrícula imobiliária do empreendimento.
- Venda de unidades HIS-1 com demanda prioritária. Quando a venda for destinada à demanda prioritária do Poder Público, o promotor deverá informar à SEHAB com pelo menos 30 dias de antecedência. Após a publicação de um comunicado, os interessados poderão se manifestar. Só depois, caso não haja manifestação ou compra, será liberada a venda ao público em geral.
- Deveres e fiscalização. O Decreto 64.244/2025 reforça a responsabilidade dos envolvidos, como promotores, proprietários, adquirentes e locadores, quanto à destinação correta das unidades. Também exige que a classificação HIS/HMP conste em todas as peças publicitárias e obriga o registro das informações em sistema eletrônico que será disponibilizado pela Prefeitura de São Paulo.
- Regras mais rígidas para locação. O aluguel de unidades HIS e HMP passa a ter uma série de exigências, como: (i) cláusula contratual comprovando o enquadramento de renda; (ii) proibição expressa de locação por curta temporada; (iii) vedação ao comodato fora dos casos legais; (iv) averbação da destinação nas matrículas em cada nova locação; e (v) obrigação de guardar documentos que comprovem renda e pagamento do aluguel.
- Penalidades em Operações Urbanas Consorciadas. Nos empreendimentos localizados em áreas de Operações Urbanas Consorciadas, as multas serão calculadas com base nos valores dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs) negociados no último leilão, corrigidos pelo índice de Preços ao Consumidor do Município de São Paulo (IPC/FIPE). A fiscalização ficará a cargo da SEHAB e das Subprefeituras.
- Exceção para leilões. O Decreto 64.244/2025 esclarece que as restrições à comercialização não se aplicam a leilões realizados conforme a Lei n.º 9.514/1997, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI e disciplina a alienação fiduciária. No entanto, as revendas posteriores continuam sujeitas às regras.
- Cooperação com Cartórios. Está prevista a formalização de acordos com os Cartórios de Registro de Imóveis para garantir o cumprimento das exigências legais, especialmente em relação à averbação da destinação dos imóveis.
4. Conclusão
Diante dos pontos destacados acima, é certo que o novo regramento introduzido pelo Decreto 64.244/2025 exige atenção redobrada de todos os envolvidos na produção, comercialização e locação de unidades habitacionais de interesse social, principalmente em razão da possibilidade de gerar sanções, dificultar a emissão do Habite-se e comprometer a regularidade dos empreendimentos e das unidades habitacionais.
Com a iminência da instalação da CPI, entender as exigências legais, ajustar processos e se preparar para eventuais solicitações é a forma mais segura de seguir atuando com consistência, reforçando as boas práticas reputacionais e transmitindo confiança a investidores, parceiros e clientes.